Ariel Sbdar, CEO e cofundador da investech argentina Cocos, publicou um story no Instagram na terça-feira, 21, reclamando de uma notícia que recebeu do Brasil: era a foto de uma placa de uma loja que dizia o seguinte: “No momento, não estamos aceitando pagamentos com Belo/Cocos (Pix estrangeiro). Não sei o que há de errado com os brasileiros. Não digam com o que estão pagando, não é necessário”, recomendava Sbdar para os turistas argentinos na publicação. Lógico, a única coisa a fazer é avisar que vai pagar com Pix e que precisa do código QR. Escaneia e pronto. O mesmo procedimento que se usa na Argentina com os aplicativos Modo e Mercado Pago. Um detalhe importante: a única confusão pode ser na hora de falar QR. Na Argentina, a pronúncia da Q é diferente e vai provocar alguns sorrisos.
O comentário de Sbdar também é lógico, pois naquele mesmo dia, em outra rede social, X, Cocos anunciava que havia processado 65 mil pagamentos com Pix em um dia, algo em torno de 45 por minuto. E o Cocos é apenas uma das alternativas que os turistas argentinos têm para pagar no Brasil via Pix. Uma via que simplificou a rotina. Uma das principais preocupações da viagem já está resolvida e sem perder dinheiro. Comprar reais na Argentina é caro. Trazer pesos ou dólares e cambiar aqui gera perdas na cotação mais a complicação de andar com bilhetes. E pagar com cartões tem impostos. A única opção que ganha das chamadas carteiras eletrônicas é comprar com cartão de crédito e logo pagar o resumo com um tipo de dólar, o MEP (Mercado Eletrônico de Pagamentos ou “Dólar Bolsa”). Mas a economia é mínima e o tempo investido e as complicações maiores. As carteiras são a melhor alternativa. Até o Consulado argentino no Rio de Janeiro as recomenda para evitar golpes com cartões e maquininhas.
O que Sbdar não sabia é que aquele anúncio que recebeu podia ser um resquício da comoção política que eclodiu no Brasil, nos primeiros dias de janeiro, com aquela palavrinha que já estava na moda entre os turistas argentinos. Várias lojas exibiram anúncios semelhantes e forçaram o governo a tomar medidas controversas e sem precedentes.
O sistema de pagamento que provocou uma crise no Brasil foi adotado pelos argentinos antes do boom de turistas argentinos. Foi para receber os turistas brasileiros quando o câmbio estava favorável. Foi possível pelo surgimento de empresas que conectaram as cadeias de pagamento instantâneo após a pandemia de Covid. Uma das pioneiras foi a KamiPay.
Os últimos dados revelam que há 1.100 comércios usando o sistema na Argentina e que mais de 250 mil brasileiros já pagaram com Pix e que 370 mil comerciantes brasileiros já receberam Pix de argentinos. O processo usa o sistema de tecnologia blockchain. Em parceria com fintechs brasileiras, que fornecem o QR code, o método permite que o brasileiro pague com sua conta em reais e o comerciante argentino receba em pesos ou em dólares. A KamiPay passou a vender seu sistema para fintechs argentinas. Bancos digitais locais como Belo, Fiwind e Takenos integraram a API (Interface de Programação de Aplicações) permitindo que argentinos paguem com pesos no Brasil e o comerciante brasileiro receba em reais.
Para um estabelecimento no exterior usar o sistema brasileiro, é preciso que tenha relação contratual com um prestador de serviço no Brasil. É o que a KamiPay faz com as fintechs locais. Por isso, as transações não são rastreadas no exterior pelo Banco Central e são registradas como parte da empresa brasileira.
Os fundadores da KamiPay, Nicolás Bourbon e Matías Gorganchián, detectaram o problema nesses pagamentos internacionais para turistas no início de 2003. Quem pagava no cartão tinha um câmbio desfavorável, e para o comércio o depósito do dinheiro também era demorado. Quem escolhesse pagar em dinheiro tinha de andar pelas ruas com um tijolo de pesos.
O foco foi o Brasil pela importância que tem no turismo argentino: 25% dos turistas são brasileiros. A alta dos preços fez com que esse volume caísse um terço. Mas o método já conquistou comerciantes dos destinos turísticos mais escolhidos, como Caminito e San Telmo em Buenos Aires e Bariloche e Mendoza. Alguns comerciantes sinalizam que recebem Pix com adesivos na mesa ou placas com as cotações.
Os argentinos que invadiram as praias do Brasil nem se envolveram na “crise do Pix” do Brasil. Há aplicativos que registram uma transação a cada três segundos e só na primeira quinzena de janeiro foram registrados mais de US$ 8 milhões em transações. Até surgiu um site comparapix.ar que compara as cotações das carteiras digitais e o custo de pagar como cartões de débito e crédito internacionais. Na quarta-feira, 5, a melhor opção era pagar com dólar MEP, $ 205,99 por real. Com o cartão em pesos, o custo do real era de $ 256,88. A melhor app era AstroPay, R$ 209,36, e Cocos estava perto com R$ 212,58.
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“Durante o mês de dezembro, o ticket médio dos argentinos que usaram o Pix para comprar roupas no Brasil ficou em US$ 77, desafiando o clichê de que é um meio de pagamento usado apenas para pequenas transações, como uma caipirinha na praia”, disseram ao jornal argentino La Nación fontes da KamiPay. Para a empresa, houve um “comportamento inesperado”. Vestuário posicionou-se como categoria líder no último trimestre do ano passado e concentrou 37,08% do faturamento, seguido pelos setores de hotelaria, gastronomia e transportes.
Outros dados curiosos do fenômeno Pix entre argentinos:
- Cocos processou 225.520 pagamentos, média de 30 mil por dia ou uma transação a cada três segundos, e por cerca de US$ 7 milhões em 15 dias.
- Cocos experimentou um crescimento explosivo, abrindo mais de 65 mil novas contas desde a integração do Pix.
- O maior número de transações foi feito em Florianópolis, com quase o dobro de pagamentos que o Rio de Janeiro.
- A carteira criptográfica Lemon possibilitou pagamentos com Pix no dia 2 de janeiro, e, até o 15 de janeiro, foram processados por valores equivalentes a US$ 1,2 milhão.
- Um total de 80% do total de pagamentos da Lemon foram feitos em pesos e 20% optaram por criptodólares, com gasto médio de R$ 200 (US$ 35) por compra.
- A Prex registrou 75 mil clientes desde que incorporou Pix no Brasil, com média de 12 transações por usuário e valor médio de compra de R$ 180 cada (US$ 31,5). O consumo foi feito em transportes, supermercados e postos de serviço, nas cidades de Florianópolis e Rio de Janeiro.
Como contamos nesta mesma coluna, a Embratur (Empresa Brasileira de Promoção Internacional do Turismo) espera 1.500.000 argentinos no primeiro trimestre de 2025. Em 2017, o ano recorde até o momento, foram 1.300.000 nesse lapso. Em todo o ano, foram 2.600.000, gastaram US$ 1,6 bilhão (US$ 620 cada) e ficaram em média 11. Talvez em 2025 esse recorde seja superado, com a ajuda do Pix.