Xangai, 1984: um grupo de 30 gerentes e engenheiros da Volkswagen do Brasil chega à cidade para ensinar aos chineses como construir seu primeiro carro “estrangeiro” – o sedã Santana.
Está chovendo muito e a linha de montagem instalada na fábrica de caminhões está vazando. As caldeiras estão perigosamente próximas ao depósito de tinta. Mas o pior é na hora de dormir: não há hotéis decentes na cidade e a única opção é alugar uma casa para a equipe. Tudo é precário, até mesmo o sistema de esgoto.
Exatamente 40 anos depois, a China se tornou a força motriz da economia mundial, com metrópoles ultramodernas e a maior indústria automobilística do mundo. Apenas em 2023, foram produzidos neste país 26 milhões de carros (em comparação com 2,2 milhões no Brasil e 4,1 milhões na Alemanha). O inovador modelo Santana, que é uma raridade nas estradas hoje, ainda é valorizado como o modelo mais representativo na história automobilística chinesa, com quatro milhões de unidades produzidas em 28 anos.
Até o início dos anos 1980, a indústria automobilística da China estava praticamente limitada a caminhões e ônibus. Poucos sedãs como o SH760 de Xangai foram desenvolvidos e fabricados no país, destinados principalmente aos líderes do país. Foi então que o chefe de estado Deng Xiaoping abriu a economia e tentou atrair empresas estrangeiras para formar joint ventures.
A Volkswagen foi rápida em fazer isso e assinou seu primeiro contrato com uma empresa estatal em 1982, a SAIC (Shanghai Automotive Industry Corporation) – nascia assim a Shanghai Volkswagen, cujo capital era dividido igualmente entre as duas empresas.
A escolha recaiu sobre o modelo Santana, desenvolvido na Alemanha em 1981 como um sedã baseado na segunda geração do Passat. O modelo não teve sucesso em seu país de origem, mas foi produzido no exterior, no Japão (Nissan), Espanha, África do Sul, Nigéria, México e Brasil.
Os chineses queriam aprender a fazer carros de passageiros modernos, mas quem iria ensiná-los? Visto que a produção na Alemanha já empregava muitos robôs, a empresa-mãe em Wolfsburg autorizou sua subsidiária Volkswagen do Brasil a educá-los. Além disso, os engenheiros na fábrica da Via Anchieta acabavam de concluir todo o processo de nacionalização do modelo.
Wolfgang Sauer (1930-2013), ex-presidente da VW do Brasil, em uma entrevista ao jornal O Globo em 2007, revelou os detalhes da missão pioneira na China.
“Conseguimos aprender melhor. Tínhamos uma equipe bem treinada e estávamos acostumados a uma produção que não era tão automatizada.” Era junho de 1984 e o Santana teve uma estreia bem-sucedida no Brasil – um país que posteriormente exportou componentes para montagem em Xangai.
“O Ministro da Indústria Chinês visitou a fábrica em São Paulo. Ele estava acostumado a tirar uma soneca depois do almoço, mas nessa viagem estava de mau humor e não conseguia descansar. Sabendo disso, oferecemos a ele uma cama e, a partir daí, as relações melhoraram,” relembrou Sour em uma entrevista em 2007. As negociações foram difíceis. O lado positivo era que em Xangai já existia uma universidade técnica e muitos estudantes falavam alemão. Até o ministro falava um excelente alemão.
Assim, foram os brasileiros em alemães os primeiros estrangeiros autorizados a fabricar carros na China. Após a montagem de vários kits CKD, vários meses de treinamento e uma limpeza geral na fábrica, o primeiro Santana fabricado em Xangai saiu da nova linha de produção em setembro de 1985.
Outra pioneira na China foi a empresa American Motors Corporation (AMC), que junto com a empresa Beijing Automobile Works em 1984 estabeleceu uma joint venture para a produção do modelo Jeep Cherokee XJ.